Já desistiu de postar nas redes sociais por medo de como seus seguidores poderiam reagir? Não é só com você. Esse receio está diretamente ligado à cultura do cancelamento, que cria uma pressão por mais responsabilidade dos autores em relação ao que divulgam na internet.
Neste artigo, você vai entender o que é essa cultura do cancelamento, como ela opera nas redes sociais e quais são as suas consequências para o uso que fazemos dessas plataformas.
O que significa “cancelar” alguém?
O hábito de “cancelar” uma pessoa surgiu nos Estados Unidos, na época do movimento #MeToo. O #MeToo foi uma corrente de denúncias de assediadores e abusadores que trabalhavam no meio da produção cinematográfica de Hollywood, como o caso do produtor Harvey Weinstein, que foi condenado a 23 anos de prisão depois que os abusos vieram à tona.
O #MeToo começou a se expandir para outras indústrias, pelos Estados Unidos e pelo mundo. A ideia de expor pessoas em posições de poder, que tinham comportamentos condenáveis nos bastidores, acabou se expandindo também para outros contextos.
Segundo uma reportagem do jornal The New York Times, ativistas negros começaram a cobrar posturas críticas de celebridades em relação ao racismo e subiam hashtags com o termo “cancel“.
O objetivo de cancelar alguém é mostrar que aquela pessoa não é tão virtuosa e admirável como o público, em geral, tende a enxergá-la. Assim, o cancelamento só surte efeito quando repercute nas redes sociais e chega a um grupo grande de pessoas.
O que é a cultura do cancelamento?
No entanto, a prática começou a se tornar cada vez mais comum nas redes sociais. O cancelamento se tornou um verdadeiro meme. Usuários começaram a brincar, dizendo que foram cancelados por coisas triviais, como colocar ketchup na pizza, por exemplo.
Tudo e todos passaram a ser passíveis de cancelamento. Afinal, quem cancela, viraliza e recebe atenção em formato de likes e compartilhamentos. Não demorou para que as pessoas se tornassem fiscais de qualquer assunto, prontas para criticar o posicionamento do outro de forma agressiva, ou até mesmo desrespeitosa, muitas vezes de maneira desproporcional à atitude do cancelado.
“A ideia de que o militante tem de se colocar como uma alma superior atrapalha. Práticas de cancelamento e hipercriticismo produzem uma imagem inautêntica, pouco fiel às nossas incoerências. Uma vez que eu cancelo várias pessoas, o tamanho do meu mundo vai diminuindo. É mais interessante quando a gente produz uma certa tolerância ao vacilo, ao deslize e a tudo o que faz de nós sujeitos divididos”
Christian Dunker, psicanalista e escritor em entrevista ao Uol Tab
Os alecrins dourados
O ser humano erra. Faz parte da sua natureza. Mas a cultura do cancelamento tem contribuído para fortalecer a impressão de que existem pessoas perfeitas, que vivem uma vida ideal e que nunca cometeram deslizes. O meme do alecrim dourado surgiu como uma crítica a essa ostentação da consciência.
Famosos cancelados depois de causar polêmica nas redes
Quem foi a última pessoa que você viu ser cancelada na internet? A influenciadora Gabriela Pugliesi chegou a desativar sua conta no Instagram por três meses e perder milhares de seguidores depois de mostrar, nos stories, uma festa com um grupo de amigos organizada logo no início do isolamento social em combate à pandemia no Brasil.
Já a autora de Harry Potter, J.K. Rowling, recebeu críticas duras, inclusive do elenco dos filmes, após se pronunciar sobre questões de gênero, em seu perfil, no Twitter. A comunidade LGBTQIA+ viu seus posicionamentos como transfóbicos e a escritora se complicou ainda mais ao publicar um texto em seu site na tentativa de se defender e explicar seu ponto de vista.
A atriz Thaila Ayala também foi cancelada ao lançar uma marca de roupas chamada Vir.us.2020 em meio à pandemia, que depois mudou de nome para Amar.ca.
O youtuber, influencer e empresário Felipe Neto foi considerado pela Time Magazine uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. É uma prova da relevância que se pode alcançar na internet. Cada vez mais, ter alcance nas redes sociais também implica em ter responsabilidade, por falar com tantas pessoas ao mesmo tempo.
O cuidado, o estudo e a empatia na hora de produzir conteúdo são fundamentais. Lidar com as consequências do que se publica nas redes é natural. As próprias plataformas têm ferramentas para combater a propagação de discursos de ódio, preconceitos e agressões verbais, como a possibilidade de denunciar perfis e conteúdos impróprios, por exemplo.
Mas, por outro lado, a cultura do cancelamento também está prejudicando o diálogo, fomentando a polarização e gerando medo e ansiedade na hora de compartilhar conteúdo on-line. Já sentiu alguma dessas consequências na sua timeline?
F.O.P.O.: o medo da opinião alheia
Você já deve ter ouvido falar do F.O.M.O., a sigla para fear of missing out, ou seja, o medo de perder algum evento ou algum assunto e “ficar por fora”. Agora, um outro fenômeno ganhou sua própria sigla: F.O.P.O. significa fear of other people’s opinions (também interpretada como fear of posting on social media, ou fear of posting online).
Assim como o F.O.M.O., é um sentimento de angústia provocado pelas redes sociais. No caso do F.O.P.O., é o medo de se posicionar ou emitir uma opinião e ser questionado por outros usuários das redes sociais. Uma ansiedade ligada à cultura do cancelamento e ao receio do que os outros vão pensar de você.
Cultura do cancelamento e ansiedade
Também é natural que o ser humano se preocupe com o que os demais pensam. Afinal, somos seres sociais. No entanto, no mundo digital, isso pode ter consequências mais profundas. Um perfil no Instagram ou no Facebook nada mais é do que a parcela da sua vida que você escolhe compartilhar com o mundo, por uma série de razões. Quando você se preocupa demais com a construção dessa imagem, as roupas que usa, os alimentos que consome, sua rotina, suas decisões, as pessoas que fazem parte do seu círculo social, tudo começa a ser repensado.
Já sabemos que os likes viciam. Por isso, frente a esse medo do julgamento, é pouco provável que você desista de compartilhar sua vida na internet. A tendência é que você comece a adaptar seus hábitos para se parecer, cada vez mais, com a imagem que você espera que seus seguidores tenham de você.
O problema é quando as opiniões dos seguidores passam a ser mais importantes que as suas. Isso significa que o que queremos não mais é tão importante, que não confiamos em nós mesmos para passar pela vida sem a validação de outros.
Cultura do cancelamento e marcas
Isso vale tanto para pessoas quanto para empresas. Marcas também estão sujeitas ao tribunal da internet e são passíveis de cancelamentos. Foi o que aconteceu com a rede de restaurantes Madero, por exemplo, no começo da pandemia do coronavírus no Brasil.
O chef Junior Durski, dono da empresa, fez declarações polêmicas afirmando que o comércio não deveria parar para evitar o alastramento da Covid-19. O resultado foi o cancelamento da marca nas redes sociais. O faturamento da empresa também despencou e o empresário e apresentador Luciano Huck vendeu sua participação como sócio na rede de restaurantes.
É possível evitar um cancelamento? Dá para tentar, mas nada é garantido. É muito difícil agradar a todos. No caso das marcas, mais importante do que tentar evitar o cancelamento, é fundamental ser fiel ao seu propósito.
Marcas que têm estratégias claras de branding sabem qual a mensagem que querem passar. A chave é conhecer o público e saber como se comunicar com ele. Você não precisa agradar todo mundo e nem fugir da polêmica, mas precisa saber de quais valores o seu negócio não abre mão. Precisa de ajuda para gerir a marca do seu negócio? Fale com a gente.