Texto originalmente publicado no blog Agência de Resultados

Quantas frases de efeito e jargões você já ouviu sobre o processo criativo? 99% transpiração e 1% inspiração? As ideias só vêm quando a gente não está procurando por elas? O ócio criativo é um mal necessário? Crianças são mais criativas que adultos?

Afinal: será que a criatividade é mesmo a inteligência se divertindo?

Tem gente que acha que a pessoa já nasce com o talento. Particularmente, acredito que é algo que se aprende, mas também que se solta, se libera. Ser criativo é um processo de libertação do medo de não ser aceito, de não valer a pena. Principalmente, do medo de errar.

Se você está trabalhando com algo realmente novo, assumir riscos é inevitável. Afinal, o novo nunca é garantido. Ele não pode existir, ainda. Ele precisa nascer. Mas… de onde?

A teoria por trás dos processos criativos

Em 1926, o psicólogo social inglês da London School of Economics, Graham Wallas, de 68 anos, lançou uma teoria chamada a Arte do Pensamento, definindo, pela primeira vez, o processo criativo em quatro estágios.

Baseado em suas observações e em depoimentos de inventores e matemáticos famosos à época, o livro não sobreviveu, mas o modelo, hoje batizado de “4-stage model“, foi eternizado em diversas obras posteriores.

Wallas fala sobre os quatro estágios do processo criativo — preparação, incubação, iluminação e verificação — como uma delicada dança osmótica entre trabalho consciente e inconsciente.

Preparação dos processos criativos

Essa é a fase em que o problema é investigado em todas as suas variáveis e explorado ao máximo. É uma etapa totalmente consciente, em que o cérebro absorve toda a informação e a coloca nas “caixinhas” determinadas pela mente. O importante aqui é fazer as perguntas corretas, e beber das melhores fontes, de forma a abrir as possibilidades.

Durante o post, vamos colocar uma série de depoimentos dos escritórios de design ganhadores do Brasil Design Awards. Se você tiver interesse de conhecer melhor estes e outros cases, pode acessar este link.

processos-criativos-Case-Pardal

Fizemos uma série de workshops com diretores, gerentes e funcionários para compreender de forma mais clara a história e a cultura da empresa. Realizamos entrevistas de campo com distribuidores e revendedores. Observamos consumidores em momento de compra e aplicamos pesquisa qualitativa para traçar um panorama do mercado de picolés e sorvetes.

E, é claro, a inspiração veio das pessoas e da cultura local, base da nossa metodologia de trabalho.
Alysson Reis, da Abracadabra Design.

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Acreditamos que o “insight” ou os “insights” criativos são, na verdade, a compilação de um processo extenso de pesquisas, posicionamento, imersão e discussões sobre informações antes do processo de geração de formas e semânticas do produto. Ou seja, esse momento criativo é, na verdade, a materialização formal de muitas informações compiladas que já definem previamente as características e atributos necessários ao produto.
Vinícius Lubel, da Megabox

Incubação

O período seguinte é de processamento inconsciente, no qual a mente criativa trabalha sem esforço direto. Muitos artistas se referem a essa fase como o “ócio criativo”, quer dizer, aquela fase em que você não está deliberadamente procurando a solução do problema, mas, na verdade, a sua mente está procurando novas conexões, de forma inconsciente e involuntária, com base na preparação realizada anteriormente.

Para fomentar os processos criativos, há quem pratique esportes, vá ao cinema ou tome um banho. Há também quem alterne atenção com outro problema ou projeto, para ganhar tempo nele, enquanto deixa a mente inconsciente trabalhando naquele.

Por outro lado, é onde alguns criativos notáveis — o cineasta David Lynch, para citar um — defendem a meditação como forma de potencializar o trabalho do inconsciente na busca pela solução criativa mais profunda.

A ideia inicial era criar uma capa de prótese de perna feita através de impressão 3D. Após conhecer muitos amputados, ficou claro que o briefing inicial criaria um produto inacessível à maioria das pessoas (justamente as que ajudaram tanto no desenvolvimento do projeto), por isso resolvemos torná-lo o mais democrático o possível. O sonho era tornar o produto acessível para todas as pessoas.
Maurício Noronha, da FURF

A ideia da contagem regressiva foi a primeira alternativa que surgiu como forma de comemorar os 10 anos, mas a forma como os números iam ser apresentados foi mudando ao longo do projeto. No início a ideia era mostrar o número, a flor e escreve o nome da flor. Pela dificuldade de conseguir os nomes corretos de todas as flores a tempo, decidimos que cada flor acompanha uma palavra.
Paula Langie Araujo, da Nektar

Encontrando respostas

Acreditamos que a solução do problema está sempre no problema. Investigar o objeto do nosso projeto é sempre, portanto, o caminho para nosso processo criativo. É nele que encontramos todas as respostas, tais como, paleta cromática, materiais, tipografia.
Gustavo Greco, da Greco Design

Iluminação

O “A-HA Moment”, o Eureka, o insight criativo, aparecem aqui, após o trabalho do inconsciente e a transição de volta para o clique da nova ideia, formada pela associação inédita de dois elementos repertoriados pela mente criativa.

A Iluminação não é um processo totalmente consciente — depende dos estágios anteriores. Também não pode ser forçada. Ela pode vir em segundos ou em horas, mas acredite: ela sempre virá.

Ao visitar o lugar tivemos a ideia: e se fizéssemos a sinalização toda de caixas de papelão? Gustavo Greco, da Greco Design

Lembro que o insight criativo surgiu no dia em que estávamos gravando o stop motion dos 9 anos… Foi super difícil fazer as fotos do stop motion com a mesma iluminação para ter um resultado bom da animação das fotos. Depois de muito trabalho montando as palavras uma a uma para fazer as fotos, surgiu um insight “e se contássemos os dias até os 10 anos?
Paula Langie Araujo, da Nektar

Insight criativo

Durante uma conversa sobre o projeto, brincando com os pequenos protótipos 3D em mãos, descobrimos uma maneira de potencializá-lo e decidimos dividir o perfil em dois módulos: um estrutural e um de acabamento. Essa decisão permitiu que tivéssemos um produto mais versátil e facilmente atualizável.  Mesmo assim ainda tínhamos que facilitar ao máximo a montagem de dobradiças, rodízios, puxadores e demais ferragens. Até aquele momento esses componentes seriam fixados com parafusos. Em outra conversa, acabamos lembrando das bicicletas e seus sistemas de cames… assim chegamos naquele que é o segundo maior diferencial da Duppla, um sistema de cames que permite a fácil montagem das esquadrias e a simples fixação das dobradiças, rodízios e demais ferragens na porta.
Maurício Freitas, da Questto|Nó

Verificação dos processos criativos

Esse é o último, e certamente o mais doloroso estágio: aquele em que o criativo tem que colocar sua ideia em prática e à prova. Sabe-se que a Iluminação, em si, não produz o trabalho criativo: ela apenas acende a chama que leva ao caminho.
A verificação, portanto, não é simplesmente testar a ideia com outras pessoas, mas sim checar se ela é capaz de se adequar à realidade. Nas palavras da Wallas, “as ideias demandam disciplina, vontade e, sobretudo, esforço, para se tornarem realidade”.

Passamos a fazer diversos testes em que a marca respondia a diferentes inputs numéricos, se adaptando para cada um deles. Percebemos, porém, que muitos dos resultados dos dados, gerados automaticamente, soavam mecânicos e sem vida. Voltamos ao insight de que fazia mais sentido a logo se formar a partir de inputs de dados das próprias pessoas, e não apenas de dados automatizados. Criamos então uma lógica de sistema que permitia ao colaborador criar e personalizar sua própria logo a partir de inputs como Nome e Números. Encontramos, assim, uma maneira forte de representar o quanto cada um era importante para a formação da empresa, gerando índices cada vez maiores de engajamento.
Ciro Rocha, da Enredo Branding

Considerações importantes sobre os processos criativos

Os quatro estágios do processo criativo não são lineares nem tão bem definidos quanto neste texto — ou você realmente achou que a sua mente só funciona em caixinhas?

Muitos processos criativos, por exemplo, os artísticos, podem não partir de um problema a ser incubado, mas sim de um sentimento, uma experiência, uma memória. É nesse ponto em que a aplicação da teoria diverge entre as profissões criativas e a pura arte.

Bônus: o estado de Flow

Outro grande estudioso dos processos criativos é Mihaly Csikszentmihalyi, húngaro residente da Universidade de Chicago que estudou a fundo o processo de Flow — um estado mental em que as ideias se tornam fluidas entre consciente e inconsciente e a geração de insights criativos é facilitada.

Assim, é como se a sua existência fosse suspensa por um momento e você só se dedicasse àquela tarefa e mais nada. Seu estado de concentração é tal que você não sente fome, frio ou cansaço. Seu corpo sente prazer naquilo e somente naquilo. Você nem se dá conta da complexidade do que está fazendo, apenas quer continuar. Esse é o estado de Flow.

Assista ao TED de Csikszentmihalyi sobre o Flow: